O alaúde

Entraste no meu atelier carregando um enorme pacote de papel pardo amarrado com barbante, abriste espaço na grande mesa em que misturo minhas tintas e desembrulhaste um alaúde. Levantaste o instrumento com ambas as mãos e te voltaste para mim, numa atitude de oferenda. Sorriste diante de minha cara de espanto. “Encontrei no sótão de uma casa em Gramado”, disseste, “e levei para um luthier para que o restaurasse.” De fato, o verniz da caixa de ressonância brilhava como novo à luz da claraboia que abria o teto para o sol de maio. Tomei o maravilhoso instrumento em minhas mãos, dedilhei suas cordas. “O luthier trocou as cordas e afinou direitinho”, foi o que disseste. “Espero que gostes e te acostumes a ele. ” Te disse eu o quanto estava maravilhado pelo presente, admirado com o trabalho de marchetaria em torno da boca de ressonância, as incrustações de madrepérola no braço. “Deve ter custado um negro e um cachimbo”, disse. “Nada”, respondeste com uma risada. “A dona que me vendeu ficou feliz em se livrar do que ela chamou de ‘esse traste aí’. Precisavas ver o sótão. Nunca vi tanta velharia junta. Encontrar isso foi um milagre.” Enquanto eu tirava acordes do alaúde, postaste-te diante da tela em que eu pintava teu retrato, mais um dos muitos que me inspiraste. Este te representava como a deusa Ísis, de corpo inteiro, não à maneira egípcia, mas em estilo clássico. Estava tendo certa dificuldade em representar a transparência do tecido que te cobria, revelando os contornos do teu corpo, e comentei isso contigo. Perguntaste se eu queria que posasses, mas eu estava de tal modo encantado com teu presente que respondi “mais tarde”. Os acordes que saíam como por encanto do bojo do alaúde me levaram a cantar, com minha voz de fumante, a linda canção de Jean Lenoir, Parlez-moi d’amour, perfeita para as notas puras que o alaúde emitia. Sentaste a meu lado me contemplando embevecida, feliz com o sucesso de teu presente. Minha aventura pela música era recente, estava ainda aprendendo a tirar alguns acordes num velho violão que pertencera a meu tio. Mas de algum modo consegui chegar ao final da canção e o último verso, Je vous aime, o cantei abandonando o instrumento e tomando-te em meus braços. Trauteando a melodia, dançamos pelos espaços livres de meu atelier. Teu rosto amado expressava a felicidade de ter me surpreendido com dádiva tão preciosa. Caímos abraçados na cama turca, que rangeu lastimosamente sob nossos corpos. Depois foram teus beijos, teus gemidos, tuas palavras entrecortadas, a voracidade com que minha boca percorreu teu corpo. 

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